Foto: Ten. Geminiano José dos Santos.
RELATÓRIO SOBRE O MASSACRE DE LAMPIÃO EM QUEIMADAS, TRANSCRITO DE ACORDO COM O DOCUMENTO ORIGINAL.
Peça importante para o entendimento deste evento referencial no
Cangaço, relata, a partir do ponto-de-vista do tenente Geminiano, o
massacre de Queimadas.
Documento relevante, especialmente por o
tenente Geminiano ter sido morto, mais tarde, em confronto com o bande
do cangaceiro Lampeão.
Conseguido por mim, em levantamento em arquivo de documentos da Polícia Militar da Bahia.
“RELATORIO APRESENTADO AO CAPITÃO JOSÉ GALDINO DE SOUZA, ARREPTO DA
ENTRADA DE LAMPEÃO EM QUEIMADAS, PELO TENENTE GEMINIANO JOSÉ DOS SANTOS"
Illmo Sr. Capitão José Galdino de Souza, em conformidade com as vossas
ordens afim de apurar as occorrencias da incursão de Lampeão em
Queimadas no dia 22 de dezembro corrente tenho a dizer–vos que me
transportei áquella Villa, trem especial ás 3,35 da manhã de 23, e lá
chegando, procurei logo o Sr. Dr. Arlindo Simões que me historiou do
facto e com o mesmo vos dei conhecimento pelo telegrapho do occorrido.
Procurando em seguida o Dr. Manoel Hilario Nascimento, Juiz Preparador
do Termo que me forneceu as informações seguintes: Em cerca de 3 horas e
40 minutos da tarde de domingo 22 treis individuos em trages de
cangaceiro se dizendo mesmo caibras de Lampeão e que depois elle soube
serem Marianno, Antonio de Engracia e Gavião invadiram a sua residencia
exigindo pagamento em dinheiro; que á sua recusa elles responderam que
nesse caso se considerasse preso e elle, reacção nenhuma podendo fazer,
ficou á discrecção dos mesmos. Tempos depois entrou o proprio Lampeão
com parte do seu grupo trazendo o sargento Commandante do Destacamento,
que não foi logo por elle reconhecido pelo facto de se achar a paisana, o
que elle fazia questão de accentuar pois era a primeira vez que via o
sargento em trajes não militares. A elle foi confiado, occasião, a
guarda de todo o armamento do destacamento que ficou depositado em sua
casa até a hora da saida, pela madrugada. Em seguinda o proprio Lampeão
exigiu do Juiz preparador, mesmo de pyjama como se achava, a sahida á
Rua afim de apresental–o as pessoas que podessem lhe fornecer dinheiro;
que o Juiz reccusando sahir de pyjama por ser um autoridade e não lhe
ficar isso bem o proprio Lampeão concordou em que fossem chamadas as
pessoas em sua casa para ahi, determinar as quantias com que casa um
devesse contribuir para o saque; que pelo proprio official de Justiça
elle mandou chamar alguns negociantes cujos nomes eram tomados pelo
proprio Lampeão sendo elle mesmo Lampeão quem prefixava a quantia. A
proporção que cada negociante se apresentava, dava o nome e por sua vez o
mesmo negociante ia indicando outros que podiam tambem entrar com
dinheiro.
Obtidas essas informações do Juiz Preparador ouvi pessoas
outras na localidade que me informaram, mais ou menos, o seguinte: Em as
15 horas de domingo 22 de dezembro foi visto um grupo atravessando o
rio em canôa, grupo esse que pareceu a muita gente ser força
Pernambucana; que dois ou treis delles se dirigiram logo a estação da
estrada de ferro que foi fechada sendo preso o telegraphista; que
Lampeão e mais cinco do seu grupo se dirigiram para o quartel onde
surprehenderam o sargento e mais 5 praças sendo as duas restantes presas
na rua e conduzidas ao quartel; que o sargento Evaristo Carlos da
Costa, commandante do destacamento lhe informou que só deu pela presença
do grupo de Lampeão quando já habia galgado a escada que dá acesso para
o Quartel estando os fuzis e a munição de reserva, em outro
compartimento, não lhes foi possivel uma reacção dado o imprevisto da
chegada. Informou mais, o sargento, com testemunho de outras pessoas da
localidade que, Lampeão, recolhidos os soldados no mesmo xadrez, em que
estavam os criminosos, os foram postos em liberdade, exigiu do sargento a
entrega de armamento e da munição; que elle, mesmo sem poder fazer
redução respondeu que não podia dar armamento e munição pois que estava
sob guarda e delles era responsavel; que Lampeão respondeu que a
responsabilidade delle tinha cessado, pois que naquelle dia, alli em
Queimadas, elle Lampeão, era tudo – Chefe de Policia, Governadôr, tudo
enfim; que em seguida perguntou–lhe se sabia onde era a casa do Juiz
obrigando–o a ir com elle até lá, onde depoisitou o armamento já tendo
sido a munição repartida entre os caibras, munição essa que era
calculada em cerca de SEISCENTOS CARTUCHOS; que em casa do Juiz
permaneceu longo tempo sempre guardado indo depois ao bar do Cirsio onde
os caibras quizeram que elle bebesse; que á sua recusa lhe foi
offerecida gazoza, que elle tomou por lhe ser impossivel reccusar; que
nessa ocasião foi avisado de que a noite haveria um baile e que elle
estava convidado para dansar; que, com a bebida, tambem recusou dizendo
que nunca havia dansado ao que não insistiu; que em seguida levaram–no
para a casa do sr. Amphiloquio Teixeira onde permaneceu longo tempo; que
teve varias oportunidades dentre ellas se lembra da occasião em que
estava na casa do Juiz, de fugir, mas não o fez por ser um ato de
covardia embora estivesse certo de ir morrer sendo que uma das vezes
pediu a um popular, seu conhecido, uma arma para suicidar–se idéa logo
affastada pelo facto da difficil aquisição da arma; que viu varias
pessoas confabulando em casa do dr. Amphilophio Teixeira com o bandido
Marianno, seu principal guarda, sendo que uma daz vezes aquelle
respondeu: – não, não sei. vou falar com o capitão mas acho difficil;
que só depois veio a saber que esta confabulação tinha por fim a
obtenção de sua liberdade, nem um pedido porem, tendo feito elle até
então; que chegou Lampeão, cerca de 5 horas da tarde depois de conversar
com pessoas da casa do dr. Amphilophio e com o proprio Marianno
perguntou–lhe se elle sargento Evaristo não sabia que tudo que elle
Lampeão prometia cumpria; que respondeu que já tinha ouvido fallar
nisso; disse–lhe isto que tinha perdido um homem em Aboboras, a quem era
tão grato que se matasse toda a Força Publica não lhe pagava o
companheiro perdido e a quem lhe devia a vida. Em seguida Lampeão
communicou–lhe que aberta para elle uma excepção coisa rara aliás,
resolvendo não mais matal–o e que elle podia ficar á vontade que nada
mais lhe aconteceria; que tendo Lampeão lhe communicado que ia fazer uma
besteira no quartel e comprehendendo elle que isso significava a morte
dos seus companheiros que estavam presos elle então disse a Lampeão: –
vou lhe fazer o primeiro pedido, depois que eu estou preso; não desejo
assistir a morte dos meus companheiros; ao que Lampeão lhe respondeu ser
indifferente, que podia deixar de ir sendo–lhe exigida ainda a entrega
de dois fardamentos kakis, que elle mesmo foi buscar em sua casa sendo
esta mais uma das vezes em que não quiz fugir; que tão atordoado estava
com os factos desta tarde que nem ouviu os estampidos dos varios tiros
com que foram trucidados seus companheiros, só mais tarde, por occasião
da saida do grupo foi que veio a saber da chacina havida. Pude apurar
por informações da população e principalmente do Juiz Preparador que o
sargento já havia dado provas de energia principalmente na occasiao da
passagem de Curisco nas visinhanças de Queimadas quando queimou a
Estação do Rio do Peixe e que com os proprios soldados era sempre
energico mas não passava desapercebido á população o abandomno
principalmente por parte das praças e que todos se admiram da facilidade
do sargento nesse dia em que foi surprehendido por Lampeão. Outras
informações foram por mim colhidas e que embora não tenham grande
ligação com a minha funcção não é de mais que as traga ao vosso
conhecimento, antes porem digo devo informar–vos que os nossos
companheiros ás cinco e treis quartos, mais ou menos, foram barbaramente
trucidados por Lampeão e seu grupo tendo Lampeão da casa do Juiz, se
feito acompanhar pelo carcereiro até ao Quartel; que lá chegou Lampeão e
mais dois outros entraram acompanhados pelo carcereiro que recebeu
ordens de abrir o xadrez; que o quartel, no tempo do occorrido entre a
prisão e a chacina ficou sob a guarda de seis criminosos que foram
soltos por Lampeão sendo dois delles praças comdemnadas, digo a espera
do julgamento; que as praças no dia seguinte voltaram ao quartel
mandando o Juiz já que ellas não quizeram fugir ficassem em liberdade e
que os quatro criminosos evadiram–se; verdade dessas informações
áquellas passadas no proprio officio do quarte, algumas dellas eu obtive
dos proprios que foram testemunha de vista da chacina; que aberta a
porta do xadrez pelo carcereiro Lampeão ordenou ao primeiro soldado que
desceu a escada ... dois tiros na cabeça dados pelo bandido Antonio
conhecido por VOLTA SECCA em seguida sangrando o soldado quasi cadaver;
que ao ouvir dois estampidos o carcereiro confessou não mais ter animo
para abrir a porta do xadrez, sendo o proprio Lampeão quem, com um ferro
levantou a lingueta da porta do xadrez deixando passar o segundo
soldado que teve o mesmo castigo e assim todos os outros; que o proprio
carcereiro foi empurrado por Marianno para ter a sorte que Lampeão não
fez dizendo; que elle não era macaco e que tinha familia grande, que
dahi se dirigiram á Pensão todos os dezoito do grupo, só o Ezequiel
Ferreira, PONTO FINO, irmão de Lampeão não comeu se queixando de que
tinha apanhado um resfriado havendo quem pense que elle esteja
tuberculoso, pois confessou que estava muito doente e que precisava
descançar; após o jantar que não pagaram e onde foram servidos por
representantes de casas commerciaes da Bahia dirigiram–se para o Cinema
onde forçaram o proprietario a dar uma secção cinematographica
seguindo–se depois as dessas para o que convidaram varias familias da
ocallidade; assim dançaram em a casa do Sr. Antonio Felix Baptista, na
casa do Sr. Antonio Ferreira de Araujo, representante do Banco do Brasil
e proprietario do Cinema e na Sociedade Recreio queimadense onde
permaneceram até a hora de se movem cerca de duas e meia hora da manhã;
que tanto durante a scção cinematographica e como durante as dansas,
apenas tomaram parte 10 inclusive Lampeão, ficando os outros oito
fiscalizando as immediações e até mesmo a Estação. em um quadro feito a
lapis da Sociedade Recreio Queimadense, o proprio Lampeão traçou as
seguintes palavras que transcrevo: “22 dezembro de 29, Peço desculpe a o
Governador Em eu Capm. Lampeão dar Este Paceio aqui em Queimada e
asesti Em Um Senema lhe didio devera não Endoide Seu Governador Vitá
Suór apois com Sua perseguição Estou engordando até penço que vou é mi
cazar. Seu superior, Cap. Virgulino Ferreira Lampeão.” – Convem
accentuar, como homenagem á sua memoria para que sirva de estimulo que
seus companheiros que o soldado Aristides Gabriel de Souza ao ser
convidado por um dos bandidos para levantar o rosto porque ira morrer,
Respondeu: – Vocês matem um homem, covardes, porque pegaram de surpreza
seus descarados – deste ato de coragem que lhe valeu maior trucidamento
do que seus companheiros, peço e indo communicar–vos que, por
investigação pessoal do dr. Xavier Costa, que alli se achava no serviço
de exhumação dos referidos cadaveres por ordem do Exm° Sr. dr.
Secretario da Policia, fui informado que a p. da Pensão, Lampeão, em um
momento do intima expansão disse ter assassinado Curisco porque estava
se tornando muito altivo e ousado, o que parece ser uma verdade porque
os seus companheiros de ataque á estação do Rio do Peixe estão todos com
Lampeão não se fallando mais em Curisco.
Assim, cumprindo as vossas
ordens declaro, ainda, como um preito de justiça, que para perfeito
desempenho da minha missão contei com o auxilio valioso, em todas as
investigações, como boa vontade do Sr. Capm. dr. Arthur Xavier da Costa,
segundo vosso pedido a elle feito. Saudações
CIDADE DO BONFIM, 24 DE DEZEMBRO DE 1929
ótima divulgação.
ResponderExcluirAbraços