quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O CHALÉ

                               Foto: O Chalé nos anos 1930.


O CHALÉ

Na primeira década do século vinte o Coronel Francisco Lantyer de Araújo Cajahyba construiu uma casa na Vila Bela de Santo Antônio das Queimadas, na margem direita do rio Itapicuru, onde eram realizadas as feiras semanais e as festividades cívicas.
Entre o final de dezembro de 1910 e junho de 1911 duas grandes enchentes destruíram a maioria das casas da Vila, reconstruída em outro local.
A solidez da construção salvou-a, mas, deixou-a insulada pelos escombros da Vila Bela, cujo espaço, com o tempo, foi ocupado por pastos, pomares e jardins, com que o Chalé se beneficiou: ficou na fímbria dessa área verde, tendo ao fundo pequena lagoa. Na seca seu leito rasga-se em fendas, greta-se. Quando recebe água, revela-se um santuário devida e alegria. A vegetação brota das entranhas da terra, colorindo-a com o verde das folhagens, atraindo pássaros, sapos, rãs, peixes e outros animais como raposas e sariguês.
O chalé aflorava por entre o colorido das folhas e das flores. Era amplo, com dois salões, sala de espera, copa, sete quartos, três varandas, quintais, jardins e outras dependências.
Suas paredes externas eram pintadas na cor rosa e as janelas em azul com molduras brancas, frontispício com platibanda, encimado com “abacaxis”, cinco janelas dois portões de ferro. Ornamentam-no desenhos em alto relevo pintados de branco e os telhados laterais com lambrequins de bonitos recortes.
Seu telhado era de duas águas, por isso ficou conhecido como chalé.
Arejado, recebia luz solar o dia inteiro, seu interior era mobiliado com sobriedade e harmonia.
Nas paredes internas meu Pai pintou arabescos e, abaixo dos peitoris das janelas, paisagens com motivos variados.
Na parede central da sala de visitas ficava a efígie do Coração de Jesus, ladeada por dois outros quadros com retratos de Francisco Lantyer, sua esposa Joaquina, sua cunhada Isabel e o marido Irineu.
Em um canto da sala, no alto, havia um grande quadro com fotos das professoras formadas pelo Colégio dos Perdões do ano de 1923 e seus mestres. A mobília da sala de visitas era um conjunto austríaco de palhinha.
Em um dos quartos ficavam oratórios com imagens e quadros com estampas de ícones religiosos presos nas paredes. Era o “quarto dos santos”.
Em uma de suas dependências funcionava a Escola Monsenhor Tapiranga onde minha Mãe lecionava a meninos e meninas da primeira à quinta série primária.
Em outro salão ficavam a sala de jantar e a de estar.
De suas varandas avistava-se, no cimo de uma colina, o cemitério e a tricentenária capela erguida em louvor a Santo Antônio, padroeiro da vila, contornada por alpendres recortados em arcadas romanas. De outros ângulos viam-se as ruínas da igreja da Vila Velha.
Durante o dia ou à noite avistava-se o deslizar rumoroso de trens.
De madrugada ouvia-se o silvo distante e breve, anunciando sua chegada à estação. A locomotiva bufava fagulhas, fumaça e vapor, liberando, com chiados, o excesso acumulado em suas entranhas. Após curta parada, rompendo a escuridão, batia em retirada. Um apito longo e intenso assinalava o recomeço da marcha.
Às vezes a noite era tenebrosa com o bailado dos morcegos em vôos rasantes, o canto fúnebre do “rasga-mortalha” e o piar das corujas.
Em outros dias fazia-se romântica, quando a Lua apontava grandiosa no horizonte.
De lá ouvia-se também o repicar do sino da Igreja matriz, ora chamando os fiéis aos ofícios religiosos, ora, langorosamente, anunciando a morte de algum cristão.
Havia fartura de flores, sobressaindo o olor suave dos jasmins e das laranjeiras.
O Chalé tinha alma. Os que o habitavam transmitiam-lhe vida e felicidade.
Vejo-me com irmãos e primos, calças curtas, cabeleiras bastas ao vento, correndo pelos avarandados, pelos jardins e pastos, trepando em árvores ou arreliando-se.
Na “quarta dimensão da memória” vejo-me dialogando com Papai, aprendendo com seu exemplo e com suas lições. Revejo-o como homem austero, digno, tranquilo, ponderado e elegante. Ao seu lado tia Nira, com a aura de paz e harmonia, cordata e amiga, pronta a ouvir e aconselhar.
Na penumbra do passado surgem sombras de duas mulheres amigas, companheiras na longa caminhada, dedicadas, desinteressadamente, ao nosso bem estar: Sinha Bela e Mundinha, que muito ajudaram em
nossa criação.
Mais distante no tempo, mas presente na memória, está minha Mãe.
Lembrança sofrida e constante em minha vida.
O pensamento voa distante no tempo, no espaço, e mergulha no
silêncio sombrio e nostálgico do passado.
O Chalé emoldura estas recordações e emoções.
_____________________

( Antonio Lantyer)


Nenhum comentário:

Postar um comentário