terça-feira, 31 de janeiro de 2012

SANTO ANTÔNIO NO BANCO DOS RÉUS

                          Foto: Igreja de Santo Antônio início da década de 70.

Santo Antônio no Banco dos Réus

Sobre o assunto, o escritor Lellis Piedade escreveu a crônica que a seguir reproduziremos:

" Nas charnecas do antigo sertão dos Tocós, parte integrante que foi do imensurável feudo do mestre de campo Antônio Guedes de Brito, o Conquistador do S. Francisco, nome famoso nos anaes da Bahia siscentistas, demarca-se o municipio de Santo Antônio das Queimadas.
Quase todo aquele amplíssimo rincão, onde vagueavam outrora os silvícolas que lhe emprestaram o nome, é terra desnuda de arvoredo , escassa de águas perenes, e de solo pouco dadivoso , características naturais estas que anônimo aedo rústico, em era já mui afastada, - começos do século passado, ao menos - sintetizou nesta quadra, que topei na obra: A família Serrinhense do Dr. Antônio José de Araújo:

" Serrinha não serra pau grosso,
Coité não dá selamim,
O Razo não tem fundura,
Queimadas não nasce capim".

Estas quatro vilas compreendiam, antigamente, o aludido sertão, que hoje em maior número de comunas se retalha. E o Razo viu seu nome transmudado para Araci.
Demorei-me em Queimadas, era um dia claro e cálido do mês de agosto, percorrendo todo o modesto vilar. Quanto na terra há, ligado à sua história, esteve-me sob os olhos: o alto da Jacobina, de onde parte velha estrada que à bi-centenária cidade do ouro vai ter; a tapera da antiga povoação, que numa cheia o Itapicuru destruiu em 1910 ou 1911; o sítio onde Moreira César fez torturar um sacerdote espanhol, a quem atribuía o delito de vender pólvora aos jagunços de Antônio Conselheiro; a casa em que esteve aposentado o general Artur Oscar; a ubiquação do hospital de sangue da sua coluna; além de outros lugares vinculados à crônica da tragédia de Canudos.
Por fim, dei comigo no adro da capelinha de Santo Antônio (foto), ao lado do cemitério, construção evidentemente mais que secular, e curiosa, devido a sua alpendrada em arcaria pavimentada de lápides funerárias, que se prolonga pelo oitão do lado da epístola.
Sobre o seu orago, corre no Nordeste Baiano interessante tradição.
Em princípio da centúria passada, ou fins da antecedente, era a fazenda das Queimadas propriedade da piedosa senhora, a qual fabricou a citada capelinha, doando ao seu padroeiro muitas terras, e numerosa escravaria; templo este que foi erigido em paróquia no ano de 1842. Passou hoje tal regalia a outro, edificado no centro da vila.
Ora, aconteceu que, em certa noite de festa, um escravo do santo praticou um crime de morte a tiros de bacamarte, no adro da igreja, escapulindo-se em seguida.
Naquele tempo, se o senhor do escravo criminoso não o entregava à justiça, sofria por ele. Santo Antônio não quis obrar o milagre de fazer o negro cair às unhas dos agentes da lei. Quem sabe lá se o desgraçado merecia?
Vai daí o juiz do termo, e tira devassa do crime, processa o taumaturgo capucho, e saca-lhe a imagem do santuário, conduzindo-a inquirida de cordas, no lombo de um animal, para a prisão da extinta vila de Água Fria, cujas justiças, diga-se de passagem, gozavam então de fama inexplicáveis.
Foi o santo submetido a júri, nessa localidade, ou em Cachoeira, assistindo a imagem aos debates e ao veredictum do tribunal popular, encarapitada no banco dos réus. Os juízes de fato matutos condenaram o bem- aventurado franciscano a perder todos os seus haveres, que foram arrematados por um fazendeiro de Inhambupe.(...)

Fonte: Nonato Marques. Santo Antônio das Queimadas. pag.101/102.



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